BOLETIM DA VIGILÂNCIA SOCIOASSISTECIAL / Edição N° 06, Agosto/2019

publicado: 18/10/2019 09h27

Este Boletim apresenta informações consolidadas sobre o perfil do público atendido pelo Serviço Especializado em Abordagem Social e aspectos resultantes do trabalho realizado no primeiro semestre de 2019. Captando informações do Formulário aplicado nas abordagens sociais e do relatório mensal de atividades foi possível conhecer quem são, onde vivem e como sobrevivem as pessoas que receberam em algum momento do semestre o atendimento do serviço. Os dados aqui contidos foram compilados e organizados pela Coordenadoria de Vigilância Socioassistencial de Parauapebas.

PERFIL DO PÚBLICO ATENDIDO

Conforme a tipificação nacional de serviços socioassistenciais (2009), tendo como objetivos principais identificar famílias e indivíduos com direitos violados, a natureza das violações, as condições em que vivem, as estratégias de sobrevivência, construir o processo de saída das ruas entre outros, a Abordagem Social tem como foco um público que consiste em crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos e famílias em situação de risco pessoal e social que utilizam os espaços públicos como forma de moradia e/ou sobrevivência (Brasil. MDS, 2013). Nessa perspectiva, considerando o total de pessoas que foram abordadas no período de janeiro a junho de 2019, 74 pessoas, foi possível traçar um perfil que evidencia a caracterização do público abordado nos espaços públicos do município de Parauapebas.

Características sociodemográficas

Das pessoas atendidas pelo serviço predomina o sexo masculino, 63 do sexo masculino e 11 do sexo feminino, a maioria encontra-se na faixa etária de 36 a 45 anos, ou seja, em idade economicamente ativa. Quanto à cor, 50% se autodeclaram da cor parda, 26% preta, 19% branca e 5% indígena. Ainda é maioria a porcentagem da população de cor parda e preta quando se evidencia condições de vida de pessoas em situações de maior vulnerabilidade e risco no Brasil, configurando também uma realidade da maioria das pessoas abordadas nas ruas do município.

Situações de risco pessoal e social

Os riscos pessoais e sociais decorrem da vivência de situações que envolvam violações de direitos humanos e ameacem a integridade física, psíquica e relacional onde algumas situações podem expor indivíduos e famílias a situações de maior vulnerabilidade e risco pessoal e social (Brasil, MDS, 2018). As situações identificadas pelo serviço possuem uma soma que não é igual ao número de pessoas abordadas, pois uma mesma pessoa pode vivenciar mais de uma situação conforme figura a seguir:

                 Figura 01 – Fonte: Banco de dados da Abordagem Social.

A população em situação de rua, segundo a Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua, é conceituada como um grupo populacional heterogêneo, caracterizado por sua condição de pobreza extrema, pela interrupção ou fragilidade de vínculos familiares e pela falta de moradia convencional regular. São pessoas compelidas a habitar logradouros públicos, áreas degradadas, e, ocasionalmente, utilizar abrigos e albergues para pernoitar. Tornando-se a situação mais identificada do total de pessoas que foram abordadas, também, foram levantados os motivos que levaram a essa condição conforme declarado pelas pessoas abordadas.

       Figura 02 – Fonte: Banco de dados da Abordagem Social.

 

Os motivos foram demonstrados separadamente, porém há possibilidades de estarem relacionados entre si e cada pessoa possuir mais de um motivo ligado a situação de risco pessoal e social, pois, segundo a Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua, este fenômeno é multifacetado que não pode ser explicado desde uma perspectiva unívoca e monocasual. São múltiplas as causas de se ir para a rua, assim como são múltiplas as realidades da população em situação de rua.

Daqueles que responderam se faziam uso de álcool ou outras drogas, 46% responderam que fazem uso de álcool, 4% usam outras drogas e 50% não fazem uso de nenhuma droga. E sobre o histórico institucional, 45% relataram ter passado por comunidades terapêuticas, 28% por alguma instituição do sistema prisional e 24% por clínicas de recuperação. As informações que evidenciam esse histórico de dependência química só reforçam a necessidade de uma intervenção integrada e articulada entre políticas públicas considerando as especificidades deste público.

Cidadania

É importante considerar o impacto que a violência vivenciada nas ruas causa ao público atendido e que tipo de relação pode haver entre estar em situação de rua e trabalho. Os números demonstrados evidenciam uma realidade que faz parte da maioria dos que foram abordados.

A concepção de cidadania engloba a noção de sujeito com deveres e direitos que possuindo consciência sobre o significado deste conceito se percebe como tal na sociedade. Para aqueles que se encontram em uma situação de vulnerabilidade social e riscos sociais é muito mais distante a concretização do conceito de cidadania e a possibilidade de a viverem no seu cotidiano. A vivência na rua pode intensificar a experiência de desproteção e insegurança que, em muitos casos, gera a reprodução da violência de diversas formas e a permanência de situações de violações de direitos.

Por esses e outros motivos, nem todas as pessoas que necessitam da atenção socioassistencial irão procurar espontaneamente os serviços do SUAS; ir ao encontro é, muitas vezes, tarefa dos gestores e agentes públicos (Brasil. MDS, 2018).

Em sequencia apresentam-se informações quanto ao tipo de trabalho que exercem e tipo de violências sofridas.

Colocar título

 

Figura 05 – Fonte: Banco de dados da Abordagem Social.

Do total de abordados a maioria possui alguma ocupação laboral, desmistificando a visão do senso comum sobre as pessoas em situação de rua como não possuindo ocupação ou sem exercer trabalho de nenhuma natureza. No entanto, seus ganhos são gerados da economia informal, sem vínculos empregatícios estáveis.

Perguntados sobre receberem algum tipo de benefício socioassistencial, 88% relataram que não recebem nenhum benefício, isso significa que a grande maioria não acessa aos benefícios governamentais e apesar de 77% declararem possuir algum tipo de documento pessoal uma das maiores dificuldades está no processo de emissão de novas vias de documentos, o que impacta no acesso deste público ao mercado de trabalho, caracterizando um quadro de fragilidade e ausência de proteções sociais e garantia de direitos básicos que agrava a situação de precariedade do trabalho exercido nas ruas como exposto anteriormente.

Quanto a serem vítimas de violência e quais tipos de violências sofridas percebe-se que as representações sociais sobre as pessoas em situação de rua se materializam em diversas formas de violência, desde atos de violência física passando por atos que revelam a violência simbólica e até institucional. O que provoca uma reflexão sobre de que forma a sociedade enxerga e percebe a pessoa em situação de rua e do porquê pessoas em situação de rua causarem incomodo a ponto de serem agredidas e sofrerem diversas formas de violência como é demonstrado a seguir.

                Figura 06 – Fonte: Banco de dados da Abordagem Social.

                       Figura 07 – Fonte: Banco de dados da Abordagem Social.

A violência institucional como sendo a do Estado é perpetrada por seus agentes, diretos ou indiretos, bem como por atos de omissão de suas responsabilidades na garantia da segurança e do desenvolvimento social. Reproduz estruturas sociais injustas e inviabiliza o estabelecimento de vínculos de confiança e referência entre usuários e instituição/serviços (BRASIL, MDS, 2018).

De forma geral o cidadão em situação de rua não é visto como um igual, como integrante da mesma espécie, apenas não é visto, como se fosse coisa, o indivíduo pode apropriar-se das representações sociais e passar a ver-se com um objeto, “uma peça sem vontade própria”(MATTOS, R.M. e FERREIRA, R.F. 2004)  devido ao estigma que lhe recai por sua condição.  

Histórico familiar e a situação de rua

Perguntados sobre o contato com familiares, 38 responderam que possuem algum contato com seus familiares e 35 pessoas responderam não possuir contato. Se já morou em outras cidades antes, 60% responderam que sim, 40% não. Quanto ao tempo de permanência no município, 50% um ano, 25% responderam que há menos de um ano, 16% há menos de um mês, 5% entre um e cinco anos, e 5% cinco anos ou mais. Também sobre o tempo que se encontra em situação de rua, 50% estão há menos de um ano, 43% de um a cinco anos e 7% de cinco anos ou mais nesta condição.

Sobre as alternativas de pernoite,

  • 44% em instituição pública,
  • 23% na rua,
  • 19% em local cedido e
  • 15% em instituição privada.

E das alternativas de higiene pessoal,

  • 60% em banheiros públicos,
  • 18% em casa de parentes ou amigos,
  • 14% em estabelecimentos comerciais e
  • 8% na rua.

Um dos objetivos do serviço é promover ações para reinserção familiar e comunitária e construir o processo de saída das ruas e possibilitar condições à rede de serviços e a benefícios socioassistenciais. Nos últimos anos com a discussão sobre o conceito de família e como tem se transformado a noção do que se configura família, é possível repensar os tradicionais modelos possibilitando conhecer e fomentar o fortalecimento de novos vínculos adquiridos a partir da vivência na rua. É preciso salientar que a vivência na rua cria relações e significados próprios, e se torna um lugar de identidade com potenciais e possibilidades para quem o usa e vive nele. Esse tipo de percepção pode expandir a noção de que a rua é somente um ambiente inseguro para um olhar nas possibilidades e fatores de proteção e vínculos surgidos dessa vivência criando condições de fomentar o protagonismo e o fortalecimento de movimentos sociais formados por pessoas em situação de rua.

Em sua opinião, qual tipo de serviço o poder público deveria oferecer?

 

                 Figura 10 – Fonte: Banco de dados da Abordagem Social.

O abrigo ou/casa de passagem, evidencia a necessidade mais básica de pernoite das pessoas que vivenciam a situação de rua. Atualmente o município não proporciona um espaço adequado em que as pessoas possam dormir e guardar seus pertences pessoais. Os serviços mais solicitados expõem a garantia mínima a necessidades básicas de quem utiliza os espaços públicos como lugar de permanência diária e moradia.   

SERVIÇO ESPECIALIZADO EM ABORDAGEM SOCIAL

Conforme a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (2009) é um serviço ofertado, de forma continuada e programada, com finalidade de assegurar trabalho social de abordagem e busca ativa que identifique, nos territórios, a incidência de situações de risco pessoal e social por violação de direitos, como: trabalho infantil, exploração sexual de crianças e adolescentes, situação de rua, entre outras. Tem como objetivos a resolução de necessidades imediatas e a promoção de inserção na rede de serviços socioassistenciais e demais políticas públicas na perspectiva da garantia de direitos. Portanto é um serviço com características diferenciadas pois grande parte do trabalho social é desenvolvido fora dos tradicionais espaços institucionais da assistência social, necessitando de suporte técnico, recursos humanos capacitados para lidar com situações de violações de direitos e tipos de procedimentos necessários para que a intervenção tenha caráter especializado.

Abordagem Social e o Território

Os territórios de atuação das equipes de abordagem são os espaços públicos. Identificar e mapear a localização, sua posição geográfica, os períodos e horários que as pessoas frequentam, como as pessoas se relacionam com o lugar são condições essenciais para aproximação e sensibilização com aqueles que utilizam o espaço da rua como forma de vivência e sobrevivência.

No primeiro semestre de 2019 receberam atendimento da equipe de Abordagem um total de 74 pessoas, 50 pessoas deste total declararam que nunca haviam sido abordadas pelo serviço enquanto 24 disseram já ter sido abordadas pelo serviço anteriormente. Os locais que mais receberam a equipe de abordadores do serviço no primeiro semestre estão descritos a seguir:

Local

Total de abordagens

Terminal Rodoviário

14

Hospital Geral de Parauapebas

12

CREAS

7

Praça de Eventos

5

Canteiro Central – Beira Rio

5

Semáforo do “Hiper Senna” – Beira Rio

3

Mercado Municipal

3

Praça do Cidadão

2

Praça dos Metais

2

Detran

1

Feira – Guanabara

1

              Figura 11 – Fonte: Banco de dados da Abordagem Social.

A organização da oferta do serviço de Abordagem deve levar em consideração a relevância de mapeamento e diagnóstico da incidência de situações de risco social e pessoal no município e da rede existente nos territórios para que a atuação nos espaços públicos possa ser planejada e programada de maneira a qualificar o serviço ofertado. Conforme o caderno xxxx, o trabalho de reconhecimento inicial do território e de caracterização das suas condições sociais, culturais, econômicas e da qualidade de vida das famílias faz parte das funções de gestão.

Reflexões (?)

Um dos atuais desafios para a oferta do serviço está na possibilidade de se aferir onde estão as pessoas em situação de risco pessoal e social através da elaboração de estudos e/ou diagnósticos que se antecedam ao trabalho que já vem sendo realizado continuadamente pela equipe de Abordagem. Como está configurado o trabalho social que necessita desse tipo de estratégia e que ao mesmo tempo tem certa urgência de atuação com o público que recebe esse atendimento devido sua condição, em sua grande maioria, de desproteção social? Atualmente o trabalho tem se desenvolvido em uma perspectiva que recai a responsabilidade de planejar e executar como sendo unicamente da equipe do serviço, sem direcionamento através de planos e estudos prévios as equipes precisam dar respostas imediatas correndo o risco de realizar um trabalho com frágeis bases técnicas que subsidiem a organização e o planejamento das abordagens no território. A potencialização em estratégias que se antecedem ao que necessita ser executado, como já foi sinalizado é uma opção razoável para se quebrar o ciclo de atuação sem planejamento que o serviço vivencia hoje.

Demandas dos usuários

As informações de demandas identificadas referem-se aos registros do relatório mensal de atividades do serviço que passou a ser utilizado a partir de abril, portanto os números apresentados são do segundo trimestre, conforme figura a seguir:

                              Figura 12 – Fonte: Relatório Mensal de Atividades.

                            Figura 13 – Fonte: Relatório Mensal de Atividades.

Incluir informações sobre os encaminhamentos

As demandas identificadas necessitam de resolutividades que devem estar fundamentadas em um dos eixos norteadores mais significativos do serviço, o “trabalho em rede”. Conforme o caderno de orientações Perguntas e respostas: Serviço Especializado em Abordagem Social (2013), o trabalho em rede segue dois princípios, a integralidade do sujeito e a incompletude institucional. A integralidade considera a necessidade de uma abordagem que demande uma atuação integrada de diferentes serviços para alcançar o contexto familiar, comunitário e social que influenciam a vida do sujeito. O princípio da incompletude institucional parte do entendimento de que um atendimento de qualidade e integral deve acontecer de modo compartilhado através de uma ação em rede. Para cada demanda identificada na figura 00 se faz indispensável a atuação de instituições, programas e serviços como Defensoria Pública, Cadastro Único, Coordenadoria de gestão de benefícios eventuais-SEMAS, Unidades de Saúde, Programas socioassistenciais (PETI), entre outros para que esse trabalho em rede se concretize.

Reflexões (?)

O trabalho social tem como essência a formação de vínculos de confiança entre a equipe e as pessoas abordadas. A equipe pode tornar-se uma referência para possibilitar a construção de novos projetos de vida e ser a porta de entrada para os serviços públicos e benefícios socioassistenciais. No entanto essa relação é uma construção processual, na maioria das situações o abordador(a) precisa realizar mais de uma abordagem com a mesma pessoa para ter seu objetivo alcançado além de ter um amplo conhecimento dos serviços, benefícios e ofertas das políticas setoriais e do sistema de garantia de direitos para realizar as devidas orientações e encaminhamentos necessários (BRASIL, MDS, 2013).

Portanto, não se pode ofertar um serviço de qualidade sem que a equipe esteja informada e capacitada para realizar as devidas orientações quanto ao que a rede pode ofertar de projetos, programas, serviços e benefícios. Se hoje isso não tem acontecido como o desejável questiona-se qual a dimensão do impacto que a falta de capacitação e informação causa nas abordagens sociais realizadas? Outra questão é o papel das políticas setoriais e o sistema de garantia de direitos considerando o princípio da integralidade do sujeito. Se faz necessário o estabelecimento de fluxos continuados visando um verdadeiro atendimento integrado, evitando a fragmentação, a duplicação de trabalho e a revitimização em espaços institucionais. Dessa forma, como os profissionais que atuam diretamente com o público, aqueles que estão em posição de gerenciamento e coordenação, e todos os que ocupam posições de gestão e controle social, que em algum nível deliberam sobre como os serviços irão funcionar, podem colaborar para que a noção de integralidade e rede se fortaleça no município de Parauapebas?

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social. Pergunta e respostas: Serviços Especializado em Abordagem Social. Brasília: MDS. 2013.

BRASIL. Decreto nº7.053 de 23 de dezembro de 2009. Dispõe sobre a Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento, e dá outras providências. Diário Oficial da União de 24 de dezembro de 2008.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social. Proteção Social no SUAS a indivíduos e famílias em situação de violência e outras violações de direitos:  fortalecimento da rede socioassistencial. Brasília: Fundação Oswaldo Cruz; MDS. 2018.

MATTOS, R e FERREIRA, R. Quem vocês pensam que elas são? – representações sobre as pessoas em situação de rua. Revista Psicologia e Sociedade. 2004.

Coordenadoria de Vigilância Socioassistencial

Coordenação: Carla Lisboa

Colaboração técnica: Equipe técnica de referência do Serviço Especializado em Abordagem Social

Elaboração: Aline Sena.

 

icon download pdf