BOLETIM DA VIGILÂNCIA SOCIOASSISTECIAL / Edição N° 07, Agosto/2019

publicado: 18/10/2019 09h30

Este Boletim apresenta informações consolidadas sobre o perfil do público atendido pelo Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias e aspectos resultantes do trabalho realizado no período de um ano. Captando informações dos que foram acompanhados nesse período, foi possível conhecer quem são as famílias que recebem acompanhamento e como se desenvolveu o trabalho social da equipe de referência deste serviço. Os dados aqui contidos foram compilados e organizados pela Coordenadoria de Vigilância Socioassistencial de Parauapebas.

SERVIÇO DE PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, IDOSAS E SUAS FAMÍLIAS

O serviço tem a finalidade de promover a autonomia, a inclusão social e a melhoria da qualidade de vida das pessoas participantes. A partir da identificação das necessidades, deverá ser viabilizado o acesso a benefícios, programas de transferência de renda, serviços de políticas públicas setoriais, atividades culturais e de lazer, sempre priorizando o incentivo a autonomia da dupla “cuidador e dependente”. Deve promover apoio às famílias na tarefa de cuidar, diminuindo sua sobrecarga de trabalho e utilizando meios de comunicar e cuidar que visem a autonomia dos envolvidos e não somente cuidados de manutenção. E entre outros objetivos, também deve acompanhar o deslocamento, viabilizar o desenvolvimento do usuário e o acesso a serviços básicos, tais como: bancos, mercados, farmácias, etc. conforme necessidades. Portanto o desafio de execução de um trabalho social com o público deste serviço requer no mínimo equipe multiprofissional com capacitação permanente, recursos físicos adequados de acordo com as necessidades dos usuários e uma rede articulada forte para que o trabalho seja satisfatoriamente executado.

Reflexões

 

Ante ao que o serviço demanda como oferta mínima ao usuário que dele necessitar é preocupante a atual realidade em que o mesmo se encontra. Com apenas duas técnicas de referência (assistente social e psicóloga), tendo o desafio, entre muitos outros, de garantir o acesso deste público a serviços básicos e a necessidade de acompanhamento através de visitas domiciliares tem-se em contrapartida registro em relatórios de atividades de ausências, demoras e insuficiência de transporte, dificuldades de diálogo com outras políticas setoriais, entraves na oferta de serviços socioassistenciais como acesso ao cadastro único, entre outros, proporcionando um ambiente de trabalho adoecedor e pouco eficaz impactando no resultado final deste serviço. É de se questionar quais estratégias devem ser tomadas referente a saúde mental dos profissionais que atuam na média complexidade? Seria muito distante imaginar que outros profissionais que lidam com situações extremas de violência e violações de direitos também estejam correndo o risco de vivenciar um ambiente adoecido? A necessidade de se ofertar um serviço mais qualificado também requer uma equipe que esteja física, psíquica e emocionalmente bem para ter uma prática mais efetiva, reflexiva e crítica em um ambiente de trabalho que seja favorável tanto para usuários quanto trabalhadores do SUAS.

Forma de acesso

 

Os resultados quanto as principais formas de acesso ao serviço nos últimos doze meses estão demonstradas a seguir.

 

A forma de acesso ao serviço é um bom demonstrativo da relação entre este e as políticas setoriais e o sistema de garantia de direitos. Atualmente o CREAS, onde o serviço é ofertado, realiza uma triagem interna em que são identificados possíveis usuários em potencial de cada serviço da unidade. Essa atividade específica demostra que ainda há um entrave quando o assunto é conhecimento pelas demais políticas setoriais e socioassistenciais sobre o público, a natureza e os objetivos de cada serviço ofertado no CREAS, é preciso expandir a noção de que “tudo é CREAS”, onde se diluem as especificidades dos serviços e dificulta a oportunidade de alcance para aqueles que mais necessitam.

 

Reflexões

 

O encaminhamento a este serviço especializado é o início de um diálogo continuo de suporte entre equipes para garantir a existência da articulação em rede que é fundamental para a execução deste serviço. Aspectos de saúde, identificação de violações de direitos, violência e barreiras que agravam a dependência dificultando um trabalho social que visa à autonomia e empoderamento dos usuários atendidos compõe esse quadro que não deve ser superado ou ao menos ter diminuído seus agravos contando apenas com a política de assistência social para que tal fenômeno ocorra. A articulação em rede precisa ser promovida pelos gestores, e executadas através de protocolos, fluxos e colaborações intersetoriais considerando uma perspectiva que proporcione objetivos em comum dos envolvidos.

 

PERFIL DO PÚBLICO ATENDIDO: O CUIDADOR E A PESSOA CUIDADA

 

O público que deve receber atendimento deste serviço, conforme a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, é formado por pessoas com deficiência e idosas com algum grau de dependência, seus cuidadores e familiares, que tiveram suas limitações agravadas por violações de direitos, tais como: exploração da imagem, isolamento, confinamento, atitudes discriminatórias e preconceituosas no seio da família, falta de cuidados adequados por parte do cuidador, alto grau de estresse do cuidador, desvalorização da potencialidade/capacidade da pessoa cuidada, dentre outras que agravam a dependência e comprometem o desenvolvimento da autonomia.

A relação entre cuidador e pessoa cuidada é o centro da maioria das situações que chegam até a equipe de referência, por isso é tão significativo traçar o perfil tanto daqueles que cuidam quanto daqueles que recebem cuidados para possibilitar uma constante qualificação dos serviços ofertados.

Pessoa com Deficiência

Segundo o estatuto da pessoa com deficiência (lei nº13.146/2015) considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

No período de um ano foram registradas pela equipe de referência um total de 25 pessoas identificadas como cuidadoras que foram atendidas pelo serviço sendo 18 do sexo feminino e 7 do sexo masculino. A maioria encontra-se na faixa etária de 46 a 59 anos. Quanto à cor, 72% se autodeclaram da cor parda, 22% preta, 6% branca. A maioria dos cuidadores possui um vínculo de parentesco com a pessoa cuidada. Do total de 25 cuidadores, 40% são filhas, 16% mães, 12% filhos, 8% netos e 20% são a soma de outros parentescos e 4% não possui parentesco. Aspecto relevante a se considerar é a presença em sua maioria de mulheres no papel de cuidadoras.

Pessoa Idosa

Considera-se pessoa idosa de acordo com o estatuto do idoso (lei nº10.741/2003) como aquela com idade igual ou superior a sessenta (60) anos.

Já as pessoas cuidadas que foram atendidas pelo serviço somaram um total de 30 pessoas, 50% são do sexo feminino e 50% do sexo masculino, predominantemente na faixa etária de 60-79, com 74% da cor parda, 15% da cor preta e 11% da cor branca. Do total, 40% são pessoas com deficiência e pessoas idosas, 30% são apenas pessoas idosas, 30% são apenas pessoas com deficiência.

A Situação de Dependência

 

A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) considera três subdivisões na caracterização de perda de capacidade de manutenção de uma vida independente e autônoma: 1) atividades básicas de vida diárias referentes aos níveis severos de comprometimento das aptidões físicas e funções necessárias à sobrevivência, como alimentação, banho, locomoção, higiene pessoal, etc.; 2) as atividades instrumentais de vida diária compreendendo problemas mais complexos da vida quotidiana de um indivíduo com níveis mais brandos de dependência, como gerir dinheiro, usar o telefone, sair só, etc.; e 3) atividades avançadas de vida diária representadas por atividades voluntárias sociais, ocupacionais e de recreação. Complementando esta noção a resolução de diretoria colegiada da ANVISA – RDC nº283/2005 conceitua o grau de dependência do idoso no regulamento técnico para instituições de longa permanência para pessoas idosas da seguinte forma:

  • Grau de dependência I – idosos independentes, mesmo que requeiram uso de equipamentos de autoajuda;
  • Grau de dependência II – idosos com dependência em até três atividades de autocuidado para a vida diária como: alimentação, mobilidade, higiene; sem comprometimento cognitivo ou com alteração cognitiva controlada;
  • Grau de dependência III – idosos com dependência que requeiram assistência em todas as atividades de autocuidado para a vida diária e ou com comprometimento cognitivo.

Portanto para conceituar aqueles que possuem algum nível de dependência considera-se as referências citadas anteriormente, onde apenas 9 pessoas possuem laudo que diagnostica o grau da dependência, 21 não possuem nenhum laudo que possa diagnosticar algum grau de dependência, porém, a equipe técnica de referência identificou que do total de 21 pessoas sem laudo 13 possuem algum grau e necessitariam que isso fosse diagnosticado oficialmente. Identificando assim um total de 22 pessoas que possuem algum grau de dependência, 10 destas pessoas possuem grau III, 8 grau II e 4 pessoas grau I.

Violência e violação de direitos

 

A negligência contra pessoa idosa possui diversas formas: privação da assistência de que precisa, deixar que passe fome, se desidrate e seja privada de medicamentos e outras necessidades básicas, antecipando sua imobilidade, aniquilando sua personalidade ou promovendo seu lento adoecimento e morte. Também são formas de negligência: pisos escorregadios, escadas sem corrimão, banheiros sem segurança (MINAYO, 2014, p.16).

A relação entre dependência e violação de direitos é fator essencial para que a família seja acompanhada por este serviço.

Portanto, quanto ao tipo de violência ou violação de direito sofrida, evidencia-se que:

  • 59% sofreram negligência;
  • 13% violência psicológica;
  • 13% violência física;
  • 9% abandono;
  • 6% violência sexual.

 

Renda e subsistência

 

Quanto ao recebimento de benefício de prestação continuada, do total de 20 pessoas que responderam sim, 11 são pessoas idosas e com deficiência, 5 são apenas pessoas com deficiência e 4 pessoas idosas.  Apenas 6 pessoas recebem aposentadoria e quanto a renda da pessoa ser a principal da família, 18 afirmaram que sim, 11 não e 1 declarou não possuir renda. Do total de 18 que mantêm financeiramente toda a família com o que recebem 78% dependem do BPC da pessoa cuidada, 17% da aposentadoria da pessoa cuidada e 6% se mantêm com trabalho informal.

É preciso fomentar a apropriação do conceito de dependência como referência nas ações sociais contribuindo para a não fragilização do tecido social, haja vista que concede atenção tanto as vulnerabilidades vivenciadas pelos demandantes de cuidados como para seus cuidadores. (BRASIL, 2016)

Segundo nota técnica desenvolvida pelo IPEA em 2016 sobre a relação de dependência e renda familiar, o estudo apontava para a necessidade de conceder um olhar mais atento às situações de perda de autonomia e riscos de dependência dado o seu potencial de agravar a pobreza monetária. Uma pessoa com deficiência severa ou um idoso dependente demanda cuidados adicionais das famílias e, de acordo com o grau de comprometimento ocasionado pela doença ou velhice, haverá a necessidade da mobilização de um adulto em idade ativa para prover os cuidados necessários. Trata-se de um contingente de famílias que, ao serem privadas da renda de um dos seus membros no sustento financeiro, viverão no limiar da pobreza, mesmo que esta não se encaixe a priori nos critérios de ¼ de renda domiciliar per capita para acesso ao BPC.   

 

 

ASSISTÊNCIA SOCIAL E TERRITÓRIO

 

Conforme a Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social, em seu art. 4º uma das seguranças afiançadas pelo SUAS é a abordagem em territórios de incidência de situações de risco. Em seu art. 80º, parágrafo único descreve que as unidades de oferta de serviços de proteção social especial poderão ter distintas capacidades de atendimento e de composição, em função das dinâmicas territoriais e da relação entre estas unidades e as situações de risco pessoal e social, as quais deverão estar previstas nos planos de assistência social.

Os serviços ofertados em qualquer nível de complexidade da assistência social precisam ser ofertados considerando o conceito de territorialização. Segundo as Orientações Técnicas do Centro de Referência da Assistência Social (2009), a territorialização refere à centralidade do território como fator determinante para a compreensão das situações de vulnerabilidade e riscos sociais, bem como para seu enfrentamento. A adoção desta perspectiva se materializa a partir da descentralização da política de assistência social e consequente oferta de serviços socioassistenciais em locais próximos aos seus usuários. Isso cria condições favoráveis à ação de prevenção, enfrentamento das situações de vulnerabilidade e risco social, bem como identificação e estímulo das potencialidades do território.

A contrarreferência é exercida sempre que a equipe do CRAS recebe encaminhamento do nível de maior complexidade (proteção social especial) e garante a proteção básica, inserindo o usuário em serviço, benefício, programa e/ou projeto de proteção básica (BRASIL, 2009).

 

O total de famílias acompanhadas de acordo com a localidade em que moram foram identificadas considerando as atuais áreas de abrangência de cada CRAS, entendendo estes como os equipamentos mais próximos dos locais de moradia dos usuários podendo se tornar uma futura referência para aqueles que serão contrarreferenciados.

         Figura 02 – Fonte: Banco de dados do serviço.

Do total que foram desligados do acompanhamento: 50% superaram a situação de violação de direito e foram contrarreferenciados, 25% não possuíam perfil para continuarem em acompanhamento, 13% foram a óbito, 6% foram institucionalizados e 6% não foram localizados. Daqueles que foram desligados do serviço, há um número considerável de pessoas que não possuem perfil para estarem no serviço o que, possivelmente, está associado a falta de conhecimento sobre o que é o serviço como já exposto anteriormente e com isso gerando trabalho dispendioso para a equipe que precisa atender, dar uma devolutiva e realizar os devidos encaminhamentos para esse público que apesar de não ser perfil do serviço em sua maioria é público em potencial da assistência social.

Reflexões

 

Quanto a localidade dos usuários, o segundo maior numero são de pessoas que vivem em locais onde não há nenhum equipamento da assistência social. A realidade das famílias que são acompanhadas neste serviço é complexa e repleta de dificuldades e barreiras que já existem por conta da condição de limitações e dependência que vivem, a ausência de poder público apenas reforça o agravo da exclusão e violação de direitos vivenciada por esses usuários. Ainda sobre a territorialização e a contrarreferência como a principal alternativa de finalização do acompanhamento das famílias garantindo uma continuidade deste pela rede socioassistencial, a previsão para aqueles que necessitam desta continuidade não é boa. Atualmente a proteção social básica não oferta o Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio para Pessoas com Deficiência e Idosas, que seria uma garantia de continuidade de cobertura para esse público. A cobertura da proteção social básica ainda é incipiente diante da dimensão territorial que precisa ser conhecida e identificada como territórios em potencial para receber os serviços socioassistenciais. A permanência dessa realidade não favorece a continuidade e nem a possibilidade de expansão da oferta deste serviço que pode ser melhor ofertado através da implantação do Centro Dia, que conforme orientação técnica para oferta deste serviço em Centro Dia, tem como finalidade realizar um conjunto variado de atividades de convivência grupal, social e comunitária; cuidados pessoais; fortalecimento de vínculos e ampliação das relações sociais; apoio e orientações aos cuidadores familiares; acesso a outros serviços no território e às tecnologias assistivas de autonomia e convivência, contribuindo para aumentar a autonomia e evitar o isolamento social da pessoa com deficiência e do cuidador familiar. Pensar o serviço de PSE para pessoas com deficiência, idosas e suas famílias sem um espaço como o centro dia, os serviços da política de assistência social, as demais políticas setoriais e o sistema de garantia de direito atuante numa dinâmica de rede de proteção é entender que não há como subsistir por muito tempo.

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Nota Técnica: Deficiência e Dependência no Debate sobre a Elegibilidade ao BPC. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. 2016.

BRASIL. Lei nº 10.741 de 1 de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso, e dá outras providências.

BRASIL. Resolução CNAS nº33 de 12 de dezembro de 2012. Aprova a Norma Operacional Básica do Sistema de Assistência Social.

BRASIL. Resolução nº283, de 26 de setembro de 2005. Dispões sobre regulamento técnico que define normas de funcionamento para as Instituições de Longa Permanência para Idosos. Diário Oficial da União de 27 de setembro de 2005.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações Técnicas: Centro de Referência de Assistência Social. Brasília: MDS. 2009.

MINAYO, M. C. S. Múltiplas Faces da Violência Contra a Pessoa Idosa. Revista Mais 60: estudos sobre envelhecimento. São Paulo: SESC São Paulo, Volume 25. Número 60. Julho, 2014.

Coordenadoria de Vigilância Socioassistencial

Coordenação: Carla Lisboa

Colaboração técnica: Equipe técnica de referência do Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias

Elaboração: Aline Sena.

 

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